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Discurso por ocasião do almoço oferecido pela Câmara de Comércio Brasil-Canadá, São Paulo, terça-feira, 10 de julho de 2007
Nasci no Haiti.
Pense no Haiti... Reze pelo Haiti, como diz Caetano Veloso em sua provocante canção intitulada simplesmente Haiti.
Sim, o Haiti, o país mais pobre das Américas.
Um país que conheci a fogo e sangue, sob o rigor de impiedosas ditaduras.
Haiti, o país da minha infância, que deixei em 1968.
Meus pais foram perseguidos, assim como muitos outros, e tivemos que escapar de um regime opressor e tirano.
E eles escolheram um país onde tudo é possível.
Esse país onde estabelecemos as nossas raízes tem por nome Canadá e é com orgulho que eu hoje o represento enquanto Governadora-Geral.
O Canadá é um país de múltiplas raças, como o Brasil e todo o continente americano.
Ele nasceu do encontro de povos indígenas e de exploradores europeus, dos quais pessoas dos quatro cantos do mundo seguiram os passos.
Ele nasceu da noção de identidade de mulheres e homens com uma terra generosa de vastos horizontes, cujos povos indígenas nos comunicaram o espírito.O Canadá nasceu também de um ideal que repousa sobre o civismo e que está enraizado na democracia.
Um ideal que formou uma sociedade pacífica e próspera, onde a noção de igualdade é nossa doutrina.
É o país que meu marido e eu legamos à nossa filha com a convicção de que ela poderá crescer livremente.
O Canadá de hoje — onde nossa filha está crescendo — é uma promessa de futuro alimentada diariamente pela contribuição da população proveniente do mundo inteiro.
Um país que, há quarenta anos, no âmbito da exposição universal de Montreal, já se apresentava como a “Terra dos homens”, segundo a bela expressão de Saint-Exupéry.
Pois, como para muitos outros países das Américas, inclusive o Brasil, sabemos que a nossa diversidade é a nossa força mais viva.
Essa diversidade é a imagem do mundo que desejamos construir com nossas irmãs e nossos irmãos do Brasil.
Em nome da população canadense, digo que estou orgulhosa de estar aqui hoje para comemorar essa mistura de cores e sotaques que irrigam nossos países e que pedem por uma redefinição mais ampla do mundo.
E tenho orgulho de constatar que desde a minha última visita aqui em 1992, a democracia se espalhou como uma onda que não pára de direcionar o Brasil para o centro desse mundo do qual queremos eliminar as fronteiras.
O progresso realizado pelo povo brasileiro nos últimos anos é notável e se tornou uma promessa de esperança para a humanidade.
Por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, que eu cobri como jornalista da televisão pública do Canadá, eu ouvi essa voz promissora emergindo da população.
Era uma voz que se tornava cada vez mais forte no concerto das nações. A de um país em vias de se tornar uma das maiores potências do século XXI.
O Canadá tem orgulho de poder ter o Brasil como seu parceiro-chave na América do Sul.
Tanto em escala continental quanto mundial o Canadá e o Brasil visam objetivos semelhantes e instauraram uma colaboração produtiva.
O sexagésimo aniversário da abertura do Consulado em São Paulo, que comemoramos este ano, marca a solidez dos nossos laços.
Não cabe a mim mostrar aos senhores, membros da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, o quanto são dinâmicas as relações comerciais entre os nossos países.
Os esforços que fazem para contribuir com a formação de um ambiente de negócios estimulante e a melhoria das condições de intercâmbio comercial são as garantias do sucesso.
Existem cerca de 400 companhias canadenses que têm negócios no Brasil.
Mais de uma centena delas têm escritórios permanentes neste país, em particular, Alcan, algumas das nossas instituições financeiras mais importantes, Nortel e Quebecor Monde.
O Brasil é o terceiro mercado de exportação do Canadá nas Américas.
Dentre os países das Américas do Sul e Central, o Brasil é o maior investidor no Canadá. O crescimento desses investimentos foi um dos mais elevados nos últimos quatro anos.
Aliás, amigos brasileiros, a determinação com a qual vocês investem no Canadá deve nos incentivar a mostrar o mesmo dinamismo no Brasil.
Nós nos alegramos com a vitalidade das relações comerciais entre os nossos países e pretendemos investir nesse potencial nos próximos anos.
De fato, o Canadá pretende dobrar nosso intercâmbio comercial até 2012.
Isso é bom para a comunidade dos homens e mulheres de negócios.
A inovação científica e tecnológica está também no centro da nossa colaboração.
Principalmente nos setores-chave da nossa economia, por exemplo, bio-combustíveis, onde o Brasil é um país pioneiro no uso do etanol como substituto do petróleo.
Acompanhamos com interesse o trabalho que vocês fazem no intuito de atingir um equilíbrio entre a pesquisa de novas fontes de energia e a necessidade de proteger os solos cultiváveis e a agricultura.
Em março passado, o Canadá organizou um Fórum em matéria de inovação tecnológica e científica aqui mesmo, em São Paulo, para explorar novos mecanismos de colaboração.
Os participantes julgaram que seria viável assinar em breve um acordo de colaboração que beneficiaria os dois países e criaria inúmeros projetos de pesquisa em comum.
Eu gostaria de mencionar que o professor Arthur Carty, que presidia a delegação canadense nesse Fórum, está entre os delegados que me acompanham no âmbito dessa visita de Estado ao Brasil.
Desejamos também um maior engajamento bilateral nos setores do transporte aéreo, da agricultura, das minas e da co-produção cinematográfica no próximo ano.
Alegro-me em saber que a cultura se inscreve no centro da nossa ação em prol de uma economia forte e diversificada.
Julgo que é primordial fazer da criatividade sob todas as suas formas um fator incontestável de desenvolvimento.
Meu marido – que é cineasta – e eu vemos com bons olhos esse desejo de aproximação entre os dois países na área da produção cinematográfica.
Aplaudimos a colaboração inédita com o Brasil em matéria de desenvolvimento do cinema eletrônico, de co-produções, de distribuição e de difusão, assim como nas áreas da formação e da pesquisa.
E as filmagens de “Ensaio sobre a Cegueira” adaptada do romance de José Saramago, fruto de uma colaboração entre o Canadá e o Brasil, começarão em breve aqui mesmo, em São Paulo.
O produtor canadense Niv Fichman e a produtora brasileira Andréa Barata Ribeiro também estão conosco hoje.
A cooperação entre o Canadá e o Brasil se estende a outros setores também importantes para os dois países.
A Agência Canadense para o Desenvolvimento Internacional (CIDA-ACDI) trabalha com afinco para fomentar o intercâmbio de conhecimentos, de modelos e de experiências entre os parceiros brasileiros e canadenses.
Recentemente, em Salvador, eu tive a satisfação de presenciar em primeira mão o trabalho de ONGs, realizado no espírito da solidariedade e no sentido de combater a exclusão social.
Seu trabalho contribui decisivamente para o desenvolvimento da responsabilidade social.
Também, o Centro de Pesquisas para o Desenvolvimento Internacional (IDRC-CRDI) participou de 202 projetos no Brasil desde 1972. Esses projetos representaram investimentos de 43,6 milhões de dólares.
A maioria desses projetos tem o intuito de favorecer o movimento democrático e de contribuir para fortalecer a coesão social em todo o Brasil.
Eu vi a que ponto este país é rico em mulheres, homens e toda uma juventude profundamente envolvidos em um trabalho que contribui para a emancipação cidadã.
Jovens que trabalham sem descanso em campanhas de prevenção contra a AIDS, ou ainda em campanhas de alfabetização, ou que se dedicam a dar assistência aos excluídos.
Estes jovens me disseram que eles eram o espelho de sua comunidade, que não poderiam permanecer indiferentes e que a solidariedade era uma responsabilidade.
É isso que precisamos continuar acompanhando. Lá, onde as necessidades são mais gritantes no Brasil.
Como diz tão bem o Presidente Lula, “eliminar as barreiras que impedem os países pobres de se desenvolver é o dever ético da comunidade internacional”.
Ele acrescenta ainda: “É também o melhor meio de garantir a prosperidade e a segurança para todos”.
Nós estamos sintonizados nesse tema e é um compromisso que o Canadá não assumiu de forma superficial.
Prova eloqüente disso é a nossa colaboração em várias iniciativas internacionais.
Citarei, como exemplo, o trabalho que fazemos juntamente com nove países das Américas Central e do Sul para ajudar nossas irmãs e irmãos do Haiti há muito oprimidos pela miséria e pela violência.
Vejo nesse movimento de solidariedade para com o povo haitiano um dever ético, para retomar a expressão do Presidente Lula.
Esse dever honra o Brasil, que dirige as Forças das Nações Unidas, assim como o conjunto dos países participantes.
Esse movimento enriquece nosso sentido de humanidade.
Esse movimento das Américas em favor dos mais desfavorecidos deve ser uma fonte de inspiração para os jovens que seguem nossos passos.
Fale com os jovens que fazem parte da delegação que me acompanha nesta visita de Estado e você ficará maravilhado com seu compromisso com a justiça social.
Sim, os jovens são para mim uma prioridade. Fiquei encantada ao ler no website da Câmara do Comércio Brasil-Canadá que os Senhores se preocupam com os jovens e vêem na educação a mais eficiente ferramenta para o desenvolvimento.
Seu ponto de vista é partilhado por muitos.
Dar aos jovens meios de continuar o processo de modernização em curso, de afirmação do exercício democrático e de promoção dos direitos da pessoa é algo que deve continuar a guiar o Brasil de hoje.
Num estudo conduzido pelo IDRC-CRDI e pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas junto aos jovens brasileiros sobre as melhores maneiras de melhorar suas condições de vida, a educação estava em primeiro lugar.
Os jovens vêem na educação não somente uma maneira de progredir, mas também de contribuir para a prosperidade coletiva.
Eis um projeto social que o Canadá endossa inteiramente.
Eis o que determinará o verdadeiro sucesso do Brasil nos próximos anos.
Não deixemos cair toda uma geração de jovens que querem ter os meios para contribuir na trajetória de seu país e ao bem-estar do mundo.
E façamos de forma que as trocas que existem entre as universidades canadenses e brasileiras prossigam.
Façamos de forma que os jovens do nosso país e os daqui tenham a possibilidade de se enriquecer mutuamente e que os pesquisadores canadenses e brasileiros continuem seu trabalho de colaboração.
A educação dos jovens é um investimento no crescimento e na prosperidade econômica.
Nessa época de grandes áreas econômicas, o Brasil e o Canadá devem comprometer-se a multiplicar as oportunidades para que cidadãs e cidadãos se abram para o mundo.
E isto tem que acontecer em total reciprocidade.
Acredito firmemente que a cooperação entre nós deve existir e se desenvolver num quadro ético que respeite o destino das populações, seu enraizamento e sua cultura.
Acredito que a cooperação entre nós deve também respeitar a integridade ecológica dos lugares onde buscamos nossos recursos.
Explorar recursos de forma irresponsável é pôr em perigo o futuro das mulheres e homens que virão depois de nós.
O que está em jogo, sempre, é muito mais do que o lucro imediato.
Quanto mais nossos interesses ultrapassarem fronteiras e abraçarem os interesses da maioria, tanto mais ricos seremos da nossa originalidade e da nossa vontade de pertencer à humanidade.
Isso é desenvolvimento responsável.
O que somos e o que fazemos não deve ser realizado em detrimento dos outros.
Eu gostaria de deixá-los com as palavras de Abdou Diouf, Secretário-Geral da Francofonia, recentemente de passagem por Montreal.
Eu as ofereço como um apelo à solidariedade e os convido a refletir sobre elas nesse momento preciso da nossa história coletiva quando, em 2008, nos preparamos para comemorar quatrocentos anos da presença francófona nas Américas.
Chegou a hora, diz ele, de “passar da reivindicação legítima de um direito à diversidade cultural ao enraizamento de uma cultura da diversidade”.
Isso é o que o Canadá e o Brasil devem fazer daqui por diante, com base nos valores que compartilhamos e na amizade que nos une de norte a sul.
Obrigada de todo coração.
Agora, eu gostaria de fazer um brinde à solidariedade e à amizade entre o Canadá e o Brasil.
